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O podcast não é a transcrição do artigo, é papo reto, com sacadas rápidas, comentários afiados e insights que complementam o texto. É conteúdo extra, direto ao ponto, para você aprender (e vender) ainda mais.

 

Os riscos do crescimento acelerado

Todo empreendedor deseja ver seu negócio crescer, mas crescimento rápido demais e sem planejamento pode se tornar uma armadilha perigosa. Muitas empresas crescem em vendas e aparentemente lucram, mas logo enfrentam falta de caixa para sustentar as operações.

É comum observar pequenas empresas aumentando suas vendas e aparentando prosperidade, mas, surpreendentemente, enfrentando sérias dificuldades de caixa. Isso ocorre porque muitos gestores confundem faturamento com liquidez e não percebem que, sem um controle rigoroso do fluxo de caixa, o crescimento pode consumir mais recursos do que gera — especialmente no capital de giro, que deveria sustentar as operações diárias.

Isso ocorre porque expansão acelerada exige investir antecipadamente em estoque, contratação de funcionários, equipamentos e infraestrutura, aumentando gastos antes que as receitas se consolidem. Se o negócio não tiver margens saudáveis ou controle financeiro rigoroso, pode vender mais e ainda assim ter prejuízo.

É comum ouvir de empresários a pergunta: ‘Minha empresa está crescendo, as vendas estão em alta e, teoricamente, eu deveria ter lucro. Então por que o dinheiro simplesmente não aparece no caixa?

Outro risco é a desorganização interna. Pequenas e médias empresas que passam por uma expansão muito rápida, sem liderança ativa e sem estrutura adequada, acabam acelerando sua falência. A incapacidade de treinar equipe, ajustar processos e manter a qualidade do atendimento na mesma velocidade do crescimento resulta em clientes insatisfeitos e operação caótica. Como alerta um artigo especializado, “a falta de treinamento e a ausência de estruturação interna para atender todas as dores e necessidades dos clientes… estão entre as principais responsáveis pelo fraco desempenho” de empresas que crescem desordenadamente.

Em resumo, crescer rápido demais pode significar perder o controle do negócio.

Além disso, do ponto de vista financeiro, há um fato perigoso: enquanto a contabilidade pode mostrar lucro, o caixa pode estar sangrando. Negócios em crescimento rápido geralmente precisam oferecer prazos maiores a clientes e estocar mais produtos para sustentar as vendas – isso consome caixa imediatamente, ao passo que o dinheiro das vendas só entra depois. Assim, é possível uma empresa quebrar mesmo com faturamento e lucro líquido crescentes, se não gerir bem seu fluxo de caixa. Como destaca um levantamento do InvestNews, empresas que crescem aceleradamente muitas vezes geram fluxos de caixa muito negativos, pois precisam financiar estoques e crédito aos clientes, o que pode levar à falência mesmo com aumento de lucros contábeis.

Em suma, crescimento acelerado demais pode comprometer a sustentabilidade de um negócio por múltiplos fatores: estrangulamento do capital de giro, perda de qualidade e controle, desalinhamento entre lucro e caixa, além de endividamento crescente. A seguir, veremos exemplos reais de empresas brasileiras que ilustram esses pontos – tanto casos de problemas causados por expansão agressiva quanto casos de sucesso construídos com crescimento cauteloso.

Gradiente: expansão agressiva e lições de uma crise

A Gradiente, tradicional empresa brasileira de eletrônicos fundada em 1964, viveu os dois lados da moeda do crescimento. A companhia cresceu rapidamente nos anos 1970 aproveitando o “milagre econômico” brasileiro e a reserva de mercado para eletrônicos, tornando-se líder nacional em áudio e vídeo. No entanto, ao enfrentar concorrência acirrada nos anos 2000, a Gradiente optou por uma estratégia de crescimento agressiva e arriscada: em 2005, adquiriu a marca Philco por R$ 60 milhões para ganhar escala e competir de igual para igual com multinacionais. O movimento, porém, sobrecarregou as finanças. Dois anos depois, em 2007, a Gradiente foi forçada a revender a marca Philco por apenas R$ 22 milhões, menos da metade do valor pago, para tapar um rombo financeiro.

A venda às pressas evidenciou a crise: naquele ano, a Gradiente amargou um prejuízo de R$ 114,4 milhões. O objetivo inicial da compra da Philco era “ganhar força para concorrer em um mercado altamente competitivo, consolidando sua posição de líder, além de ganhar terreno no mercado externo”. Ou seja, a empresa buscou um salto de crescimento para se internacionalizar e dominar o mercado doméstico. Porém, esse crescimento não foi sustentado por bases sólidas.

Em 2007, sua fábrica em Manaus chegou a paralisar a produção devido a dívidas com fornecedores, que cortaram o fornecimento de componentes. Quinhentos funcionários tiveram que entrar em férias coletivas diante da falta de insumos e queda nas vendas. A situação ficou tão grave que a Gradiente entrou em recuperação judicial em 2007 para renegociar suas dívidas e evitar a falência. O caso Gradiente ilustra claramente como crescer aceleradamente pode comprometer a rentabilidade e a sobrevivência do negócio.

A aquisição grande demais para a capacidade da empresa gerou endividamento e custos que não puderam ser absorvidos pelas receitas, especialmente quando a concorrência aumentou e o mercado esfriou. Segundo o então CEO Eugênio Staub, além da concorrência, “o que derrubou a empresa, foi [essa] compra da Philco… [e] falhas administrativas”, que juntas praticamente paralisaram a companhia em 2007. Ou seja, a estratégia de crescimento agressivo sem a devida estrutura quase levou à ruína uma marca consagrada há décadas. Somente com um doloroso processo de reestruturação, que incluiu venda de ativos, renegociação com bancos (BNDES) e anos afastada do mercado, é que a Gradiente conseguiu se recuperar, retornando ao mercado em 2012. A lição é clara: crescer rápido demais, sem suporte financeiro e operacional, compromete a sustentabilidade.

O Boticário: crescimento estruturado e sustentado

Em contraste com Gradiente, O Boticário mostra os benefícios de um crescimento gradual e bem estruturado. Fundada em 1977 como uma pequena farmácia de manipulação em Curitiba, a empresa focou desde cedo em diferenciação de produto e qualidade, antes de pensar em expandir lojas. A primeira expansão veio de forma orgânica: a reputação boca a boca levou a abertura de uma loja maior no aeroporto local e o sucesso dos perfumes próprios impulsionou a criação de mais produtos. Com a qualidade como base e um modelo de franquias cuidadosamente implantado, O Boticário cresceu sem perder o fôlego. Em oito anos, já era uma rede robusta com 500 lojas franqueadas – expansão rápida, porém alicerçada no capital de franqueados e em processos padronizados, o que mitigou o impacto financeiro direto sobre a empresa.

Ao longo das décadas seguintes, O Boticário continuou a se expandir de forma cautelosa e planejada. Em 35 anos de história, alcançou a marca de 3.260 lojas em 1.600 municípios, faturando bilhões anualmente e tornando-se a maior rede de franquias do Brasil, à frente do McDonald’s. Esse crescimento notável aconteceu sem saltos abruptos ou endividamento descontrolado, pelo contrário, a empresa reinvestiu os lucros na inovação de produtos e na estrutura de suporte aos franqueados. Miguel Krigsner, o fundador, admite que não havia um “plano estratégico formal” nos primórdios; porém, havia a visão clara de que só se conquista algo maior com qualidade e consistência. Desde cedo, ele investiu pesado em pesquisa para desenvolver produtos adequados ao mercado brasileiro e formou uma rede de franquias sólida que compartilhava essa cultura.

O case O Boticário demonstra que crescer de forma sustentável e lucrativa muitas vezes requer tempo e estrutura. A opção pelo franchising, por exemplo, permitiu escalar a presença nacional sem comprometer o caixa da empresa, ao mesmo tempo em que disseminou a cultura e padrão da marca. Cada nova loja era suportada por treinamento, marketing e uma cadeia de suprimentos bem organizada pelo franqueador. Com isso, a marca conseguiu manter a qualidade e a experiência do cliente consistentes, mesmo adicionando centenas de unidades. Diferente de empresas que “queimam caixa” para expandir, O Boticário sempre teve preocupação em equilibrar crescimento e rentabilidade. Prova disso é que mesmo em períodos de crise econômica no país, a rede se mostrou resiliente, ajustando portfólio, inovando em canais (como venda direta e e-commerce) e sustentando seus franqueados. Esse crescimento “no ritmo certo” gerou um negócio longevo: mais de 45 anos de mercado e ainda em plena expansão, agora como Grupo Boticário (que inclui várias marcas). Fica evidente que crescer com cautela, consolidando mercado por mercado, gera resiliência e longevidade muito maiores do que aventuras de expansão apressada.

99 (Aplicativo de mobilidade): foco estratégico em vez de “blitzscale”

No mundo das startups de tecnologia, é comum a mentalidade do “blitzscale” – crescer a qualquer custo, o mais rápido possível, muitas vezes impulsionado por capital de risco. A 99, empresa brasileira de mobilidade urbana fundada em 2012, seguiu um caminho mais estratégico para garantir sua sobrevivência frente a um concorrente global gigante (Uber). Nos primeiros anos, a 99 (então “99Táxis”) concentrou-se no mercado doméstico, aprimorando seu serviço nas principais cidades brasileiras, em vez de tentar uma expansão internacional precoce. Ainda assim, o crescimento foi veloz dentro do Brasil – e por volta de 2015, com a chegada agressiva da Uber, a 99 enfrentou a necessidade de escalar rapidamente seu serviço de caronas particulares (99Pop) para competir. Esse período de expansão intensa quase custou a vida da startup: “em meados de 2016, a startup ficou à beira da falência”, relembra Paulo Veras, cofundador da 99. As finanças indicavam que a empresa quebraria em oito meses caso nada fosse feito. Ou seja, a 99 crescia em usuários e corridas, mas queimava caixa em promoções, subsídios e marketing numa velocidade insustentável.

Diante do risco iminente, os fundadores da 99 tomaram uma decisão estratégica importante: reformular o plano de negócios para buscar a sustentabilidade, em vez de insistir apenas em ganhar mercado a qualquer custo. Eles conseguiram aporte de investidores e ajustaram a operação para ganhar eficiência, prolongando seu fôlego financeiro. Essa parceria estratégica foi fundamental. Em janeiro de 2018, a empresa investidora adquiriu o controle da 99 numa transação que avaliou a startup em US$ 1 bilhão, tornando a 99 o primeiro “unicórnio” brasileiro. Mas esse resultado só foi possível porque a 99 não estourou antes: ao invés de tentar expandir para dezenas de países ou diversificar loucamente, ela focou no mercado brasileiro e soube a hora de buscar apoio de um player maior para continuar crescendo de forma segura. Como observou Paulo Veras, seu papel foi “ser o adulto responsável” entre os fundadores, evitando que “as crianças aprontassem demais” e levando a empresa à negociação em vez de uma “batalha suicida” contra a Uber.

O caso da 99 ensina que mesmo num setor de alto crescimento, é preciso cautela e estratégia para garantir sustentabilidade. A startup quase quebrou ao extrapolar seu caixa, mas ao reconhecer o problema a tempo e recalibrar sua trajetória (com investimento e foco disciplinado), conquistou um lugar permanente no mercado. Hoje, integrada à DiDi (empresa chinesa), a 99 continua operando no Brasil com novos serviços (como 99Pay e 99Entrega) de forma estruturada, beneficiando-se de uma base de usuários construída gradualmente e de recursos bem alocados. Para outros empreendedores, fica claro que crescer rápido demais sem modelo sustentável pode ser tão perigoso para uma startup quanto para um negócio tradicional, e que às vezes crescer “devagar” (com consistência) é a estratégia mais inteligente, assegurando sobrevivência e retorno aos investidores no longo prazo.

Grupo Restoque (Le Lis Blanc/Dudalina): expansão rápida demais no setor de moda

No setor de moda brasileiro, um exemplo emblemático dos riscos do crescimento desenfreado é o Grupo Restoque, dono de marcas premium como Le Lis Blanc, Dudalina, Bo.Bô e John John. A empresa surgiu nos anos 2000 consolidando várias grifes nacionais e abriu capital em 2008 com planos ambiciosos de expansão. De 2009 a 2014, a Restoque realizou aquisições e abriu dezenas de lojas próprias a um ritmo acelerado, buscando crescer sua presença no varejo de moda luxo. De fato, alcançou cerca de 255 lojas próprias, além de 31 outlets e 26 franquias, espalhadas por todo o Brasil e até no exterior, ao final de 2019. Contudo, esse crescimento veio acompanhado de endividamento elevado e custos fixos enormes (aluguéis caros, estoques sofisticados, etc.). Quando a economia brasileira esfriou e a pandemia de 2020 afetou duramente o varejo, a Restoque já vinha em situação frágil. O resultado foi uma crise financeira aguda: em 2020 a companhia entrou em recuperação (extrajudicial), precisando reestruturar R$ 1 bilhão em dívidas.

O processo de reestruturação da Restoque foi turbulento, mas necessário para salvar a empresa. Quase 90% da dívida foi convertida em ações, antigos credores viraram sócios e a empresa até mudou de nome (passando a se chamar “Veste S.A.”) para marcar um recomeço. Nos 12 meses seguintes, a empresa fechou 20 lojas deficitárias (reduzindo em 10% sua estrutura física) e renegociou contratos, focando apenas nas operações rentáveis. Mesmo assim, conseguiu manter suas marcas vivas e voltou a apresentar lucro operacional. Fica evidente que a Restoque expandiu além do que seu caixa e mercado suportavam, dependia demais de crédito e de um cenário de consumo sempre em alta. Quando as condições mudaram, a falta de sustentabilidade cobrou seu preço. “Dias melhores” só vieram após medidas drásticas de ajuste. Em outras palavras, a trajetória da Restoque confirma que crescimento acelerado sem base financeira sólida pode comprometer gravemente a rentabilidade e até a sobrevivência de uma empresa de moda.

Por outro lado, no mesmo setor temos exemplos de crescimento mais gradual que resultaram em negócios resilientes. A Arezzo&Co, por exemplo, nasceu como uma pequena fábrica de sapatos em 1972 e levou décadas para construir seu império de calçados e bolsas. Optou por franquias a partir dos anos 1980 e foi crescendo comedidamente; hoje lidera seu segmento com mais de 400 lojas e grande valor de mercado, sem ter passado por insolvências. Da mesma forma, a centenária Hering expandiu sua marca de roupas básicas ao longo de muitos anos e sobreviveu a guerras e crises econômicas. Esses contrastes mostram que, na moda, crescer devagar e de forma consistente tende a gerar empresas mais longevas, ao passo que expansão rápida demais pode levar a um colapso quando o mercado oscila.

Resiliência sem explosão

Os casos analisados reforçam a ideia de que crescer devagar pode, sim, ser a decisão mais estratégica para um negócio, especialmente para pequenos e médios empreendedores. Crescer “devagar” não significa estagnar ou renunciar ao progresso, significa crescer com solidez, passo a passo, garantindo que a cada fase o negócio tenha sustentação financeira, estrutura de gestão e capacidade de atender bem o cliente. O oposto, crescer aceleradamente a qualquer custo, muitas vezes é comparável a construir um prédio sem fundação: ele pode até se elevar rápido, mas uma hora desaba.

Do ponto de vista de sustentabilidade e rentabilidade, o crescimento cauteloso permite ajustar o modelo conforme o negócio evolui, corrigir rotas e aprender com o mercado sem apostar a sobrevivência da empresa em um “tudo ou nada”. Empresas que crescem de forma orgânica tendem a desenvolver culturas fortes e processos robustos, que as tornam mais preparadas para enfrentar crises externas. Segundo o IBGE, a vida média das empresas brasileiras é de apenas 11,7 anos. Ou seja, os negócios precisam sobreviver muito mais tempo para realmente se consolidarem e os que sobrevivem tendem a ser aqueles que crescem com controle, prudência e visão de longo prazo.

Em resumo, evitar os atalhos tentadores do crescimento explosivo pode ser o melhor caminho para prosperar no longo prazo. O mercado valoriza consistência: é preferível apresentar um crescimento sustentável ano após ano, ainda que modesto, do que alternar expansão e retração abrupta ou, pior, naufragar precocemente. Crescer devagar, com bases bem estruturadas, constrói resiliência, longevidade e reputação. E, no fim das contas, um negócio resiliente e longevo acaba gerando mais valor e impacto do que um crescimento relâmpago que não se sustenta. Lembre-se do ditado: “devagar se vai ao longe”. No mundo empresarial, muitas vezes é exatamente assim.

Referências

  • Exame – “O crescimento pode levar à falência?” (PME, 24/11/2010).
  • Time Produtivo – “Empresa que cresce desorganizada acelera a falência” (28/11/2022).
  • InvestNews – “Empresas também podem quebrar enquanto crescem” (Coluna, 2021).
  • Folha de S.Paulo – “Gradiente vende a marca Philco por R$ 22 milhões” (31/08/2007).
  • Estadão PME – “Fundador do Boticário conta como transformou a marca na maior rede de franquias do País” (Entrevista, 25/03/2012).
  • Exame – “Chinesa DiDi compra a 99, o primeiro unicórnio brasileiro” (02/01/2018).
  • Brazil Journal – “Paulo Veras e a viagem (turbulenta) do primeiro unicórnio brasileiro” (30/08/2020).
  • InfoMoney – “Veste respira sem o peso da dívida, após turbulenta reestruturação” (Lucas Sampaio, 24/08/2023).
  • Wikipédia – “Gradiente (empresa)” (versão em português, visitada em 03/04/2025).
  • Agência IBGE Notícias – “Saldo entre empresas abertas e fechadas volta a ser positivo em 2019” (22/10/2021).

 

Artigo atualizado em 2025 por Vitor Peyroton.

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